Cronópios Editora

Um espaço de discussão e aprendizado para professores de Língua Portuguesa.

25.2.08

Auto-avaliação- parte 3

[Parte final do texto Auto-avaliação]

De lá para cá, o questionamento: por que o espaço para pensar em voz alta se faz necessário?...
Feita a retrospectiva, é preciso dizer que essas situações foram fundantes em mim para que eu aprendesse a “agir na urgência, decidindo na incerteza”, como diz Perrenoud sobre a questão do ensinar. Na urgência, quase que no susto de não saber o que fazer diante do que sempre aparecia de novo, de “ambíguo e confuso”.
Desse modo, responder a questão “como formadores, em que medida compreender que é necessário descontruir o problema manifestado para construir o problema existente nos ajuda a entender o mecanismo de aprendizagem das professoras com as quais trabalhamos?”, exige realmente um refazer de percurso para identificar no próprio sujeito formador a ‘sua crise de confiança’, num exercício contínuo e infinito de reflexão sobre aquilo que se revela como um problema que pode estar escamoteando o que de fato é imperativo deixar-se revelar. Nesse sentido, a falta de tempo do professor para estudar, refletir, avaliar sua prática e a nossa própria falta de tempo, como formadores, para trabalhar os textos, as estratégias, em prol de objetivos bem traçados, passam a ser um problema para responder à angústia que a prática formativa, necessariamente, gera.
Em um caso e em outro, os sintomas se revelam na reclamação e nas justificativas que tamponam o que é da ordem do medo, da insegurança, da rejeição ao novo e desconhecido, dificultando um enfrentamento reflexivo tanto do professor quanto do formador. A angústia de um, nesse contexto, se reflete na angústia do outro naquilo que se faz claramente projetivo e transferencial. Tanto que nos pegamos (eu me pego fazendo isso muitos vezes) justificando do mesmo modo a nossa ação (ou não ação) na ação (ou não ação) do outro. Daí a necessidade de parar e olhar para o próprio 'umbigo' a fim de resgatar nesse olhar um novo modo de enxergar o que está para além dele.
O “espaço para pensar em voz alta”, nesse contexto, tem sido permitido nos nossos próprios encontros de preparação das supervisões. Seja em forma de uma auto-avaliação como esta ou nas várias discussões que vamos fomentando a cada novo encontro, vamos elaborando um pouco nossas angústias, anseios, dúvidas, reconhecendo nas trocas um lugar de construção de conhecimento. Termos lido o texto da Alarcão, abrindo para a reflexão do que foi até agora a formação deste semestre, ajudou-me a elaborar o desconforto e perceber que é preciso reformular o modo como eu fui me engessando a mim mesma (e, certamente, às professoras) na medida em que via a urgência de conduzir o projeto (tema da formação) como prioridade absoluta nesse processo de formação.
Essa parada estratégica permitiu-me reformular o processo de formação até este momento, mas foi um pouco mais além, pois me também permitiu deixar evidenciada a importância da escuta na relação entre formador e professores. Ao frisar, na minha escuta de meu próprio processo enquanto formadora, o respeito pela angústia, anseios e dúvidas como manifestação legítima de qualquer processo de ensino e aprendizagem, foi possível desvelar justamente aquilo que também deve estar no espaço escolar, na relação do professor com as crianças. Como numa cadeia alimentar, ao serem tocados e escutados ali, os professores certamente tocarão acolá, nas crianças, no projeto, no desejo de fazer...
Justamente por isso, acho que não posso terminar este texto sem dizer que a “necessária passagem do saber para o saber-fazer” passa também, se não principalmente, pelo experenciar-se, que não é só um simples experimentar aquilo que ele vai recebendo a cada novo encontro de supervisão. Mas um deixar-se tocar por aquilo que ele recebe quando, numa construção quase que artesanal, ele mesmo vai se possibilitando fazer. Isso significa dizer que, na medida em que nossas propostas apontam para a leitura e escrita como grandes objetivos do processo de ensino e aprendizagem, é essencial que o formador e o professor sejam eles mesmos alguém que experencia a leitura e a escrita como caminhos de transformação, antes de mais nada, pessoal. Daí, então, tocados pela experiência da palavra, sintam-se de fato plenos do toque que ajuda na transformação do outro.
Eliane Aguiar

20.2.08

Auto-avaliação - parte 2

[Continuação do texto "Auto-avaliação" - parte 2]

Mas, afinal, o que eu fazia?
Primeiro: eu dizia para os professores fazerem coisas que eu mesma jamais havia feito em sala de aula (as minhas experiências como professora esbarraram, inicialmente, numa concepção tradicional de ensino por conta das instituições por onde passei e pela minha própria formação acadêmica), porque eu tinha lido sobre essas coisas e achava que eram bacanas. Mas não tinha a menor idéia de como os professores as iriam pôr em prática.
Depois, como no começo os programas de capacitação nos quais trabalhei eram ainda muito precários (como muitos ainda o são nos dias de hoje), num formato de pequenos cursos (distribuídos em módulos), não havia neles espaço para discussão das equipes de formadores. Quer dizer, havia espaço para tomar decisões sobre conteúdos e “dinâmicas”, mas não para a reflexão dos efeitos dessa prática no próprio formador e em seus grupos. Ainda que muitas das propostas fossem sérias e baseadas em teorias bem fundamentadas, era no conteúdo que se centravam todas as escolhas para o perfil de um projeto de formação de professor.
Por fim, havia ainda a dificuldade para determinar quais deveriam ser os objetivos prioritários de cada um desses projetos de formação. Em alguns, a equipe de formadores nem participava da elaboração do projeto, recebendo o material e o como fazer já prontos das equipes de coordenadores. Isso, evidentemente, dificultava a compreensão dos objetivos e da finalidade das estratégias, o formador cumpria um papel de mero aplicador de conteúdos desencontrados. Se, por um lado, isso facilitava o trabalho, porque me desobrigava a pensar no que fazer, por outro, me obrigava a enfrentar salas repletas de professores reais que, diante da obrigatoriedade de lá estar, viam-se num contexto inseguro: o do próprio projeto de formação (a serviço de demandas governamentais com a educação, mas sem necessariamente ter implicação com os sujeitos que fazem a educação) e da formadora inexperiente (este foi o meu caso nos primeiros programas dos quais participei) para lidar com as demandas e problemas desse contexto.
O que ficava para mim, dessa realidade, era a insatisfação e a angústia, que me exigiam reflexão, busca, discussão, troca, lugar de escuta.

[Continua na próxima postagem, sob o título "Auto-avaliação" - parte 3]
Eliane Aguiar

19.2.08

Auto-avaliação - parte 1

Aqui está a primeira parte do texto Auto-avaliação, anunciado na postagem anterior.
Não sei dizer exatamente quando iniciei meu trabalho como formadora de professores. Mas sei dizer que isso aconteceu meio sem eu perceber; meio que por acaso. Tinha lá por volta dos 20 e poucos anos, uma suposta boa formação e alguns amigos que iam me indicando para cursos, seminários, palestras, oficinas para professores de redes de ensino pública (municipal e estadual) e privada.
E eu, ousada e um tanto quanto inconseqüente, aceitava essas indicações, porque as atividades complementavam meu salário de professora. E também porque havia nelas algo que me desafiava. A ousadia, hoje sei, estava no fato de que minha própria experiência como professora era ainda bastante superficial e precária. Inconseqüência, porque achava que bastava preparar uma apostila, ler alguns textos e pronto. Estaria pronta para enfrentar os professores e as demandas que as situações de formação apresentavam. Eu não fazia idéia de que para ser um formador era necessário um nível de implicação e responsabilidade que estava além da preparação de um curso ou da leitura de meia dúzia de textos.
Entre esse começo e os dias de hoje, mais de uma década se passou e, evidentemente, minha relação com o trabalho de formação de professores foi se transformando e me transformando como profissional. Talvez porque várias dessas situações tenham me colocado diante do “aprender fazendo”, o que, de algum modo, mesmo que ainda bastante nebuloso, me obrigava a refletir sobre minhas ações, questionando-me e às propostas que fazia aos professores.
O que mudou foi algo da ordem da escolha. Se antes, aceitava o trabalho porque pagava mais do que ficar na sala de aula, com 50 alunos e apostilas vazias de vida, e também porque massageava o meu ego (era muito bom dizer que eu estava dando um curso para professores e ouvir deles e das outras pessoas: “tão novinha e tão inteligente!”), com o tempo, fui percebendo que gostava de estar com os professores e conversar com eles sobre as coisas do ensino de língua. E, conseqüentemente, da leitura e da escrita, minhas duas grandes paixões. Mais ainda: eu gostava de escutá-los em suas angústias, em suas dúvidas, em suas certezas, em suas dores, porque essas coisas me humanizavam e me faziam reconhecer no outro, professor, um pouco de mim mesma em minhas próprias angústias, dúvidas, certezas e dores como professora e como formadora. Aos poucos, fui escolhendo estar com os professores e com estudantes que seriam professores, porque
  • gostava de estar com eles (condição essencial para ser uma formadora);
  • era curiosa e queria saber como eram os bastidores das salas de aulas onde esses professores atuavam;
  • tinha disponibilidade para estudar e refletir sobre a função de formador de professores e sobre o papel do professor que trabalha com o ensino de língua;
  • me incomodava a minha formação “excessivamente acadêmica”, burocrática e tão desvinculada da vida que respira nos espaços escolares (sentia-me insatisfeita com a minha própria prática como professora, porque só conseguia reproduzir os modelos de professor que tive: conteudistas, teóricos etc.);
  • encontrava no trabalho com os professores mais prazer e vontade de aprender. Além disso, sentia-me mais criativa quando trabalhava com eles do que como professora, em salas de aulas convencionais;
  • as situações como formadora eram, para mim, muito mais ricas do ponto de vista das problematizações (eu me questionava muito mais quando estava com professores do que quando estava com meus alunos, em sala de aula).

Enfim, acredito que esse conjunto de coisas, organizadas paulatinamente, na medida em que eu me envolvia em uma nova situação de formação, foi me ajudando a pensar o que era (ou deveria ser) um formador de professores e o que eu não era como professora e ainda não era como formadora, mesmo exercendo essa função.

[Continua na próxima postagem, sob o título Auto-avaliação - parte 2]

Eliane Aguiar

18.2.08

Quando olhar para o próprio “umbigo” ajuda a enxergar para além dele

Em 2007, participando de um grupo de formação de professores, na condição de professora-formadora, minha coordenadora sugeriu-nos que fizéssemos uma parada estratégica para avaliar o quanto havíamos andado e como estávamos nos sentindo em relação ao trabalho que vínhamos fazendo com professores de uma rede municipal de ensino do Estado de São Paulo. Para facilitar a tarefa, ela forneceu-nos um conjunto de questões e um texto teórico a partir do qual deveríamos nos pautar para respondê-las. O texto era um capítulo do livro "Formação reflexiva de professores: estratégias de supervisão", de uma autora portuguesa chamada Izabel Alarcão. As questões versavam sobre aspectos relacionados diretamente às estratégias de formação discutidas por Alarcão e sobre nossa postura pessoal e profissional como formadoras de professores. As respostas...
...bem, as respostas resolvi escrevê-las utilizando-me de um recurso bacana quando falamos em formação de professores: “as narrativas autobiográficas do professor como estratégia de desenvolvimento” (aliás, este recurso também é discutido num outro capítulo de Alarcão). Achei que olhar para minha história como formadora poderia me ajudar a avaliar melhor o que ando fazendo (ou não). O exercício foi bastante produtivo, na época, e compartilhá-lo aqui parece coerente com nossa proposta de trocar experiências, refletir sobre nossa prática, contar sobre coisas da educação, da língua, da leitura, da escrita.
A seguir, então, o texto (adaptado) auto-avaliativo que escrevi para aquela ocasião, publicado aqui em três partes. Embora a ênfase seja no trabalho do formador de professores e esteja inserido em um contexto particular de formação, as questões postas nesse texto podem ser as mesmas feitas pelo professor. Afinal, parece-me impossível, em uma ou outra atividade, não questionar, angustiar, buscar, desejar, experimentar, rever...
[Continua na próxima publicação, sob o título Auto-avaliação - parte 1]
Eliane Aguiar

14.2.08

Na mídia (2)

Mais um caso de "achado" na internet. Dia 16 de setembro, foi publicada no jornal O Estado de São Paulo uma entrevista com um editor chamado Lindsay Waters. Ele trabalha na Harvard University Press e escreveu um livro intitulado "Inimigos da Esperança – Publicar, Perecer e o Eclipse da Erudição" (Editora Unesp, 96 págs., 17 reais). De sua fala – muito instigante, diga-se – destaco três partes:
a) “Outro dia li no New York Times alguém anunciando pela enésima vez a morte do livro e fiquei pensando: é isso o que o mercado está dizendo? Não exatamente. O que o mercado está dizendo é que precisamos produzir livros com títulos mais atraentes, linguagem acessível e prefácios mais esclarecedores. Gasto horas discutindo títulos com meus autores e tentando persuadi-los a mudar os originais (...).”
b) “Escrevi o livro com a esperança de mudar esse estado de coisas. O modelo que as universidades adotam para a publicação de livros é o mesmo de uma fábrica de automóveis. Elas exigem produtividade, mas não exatamente qualidade. Acho que o cerne da questão são os números e a atitude reducionista dos administradores universitários. Como se pode reduzir as coisas do espírito a números? (...) Escrevi um livro propondo um movimento em direção oposta, o ‘slow reading’ (leitura lenta), para que as pessoas esqueçam essa mania de ler tudo rápido sem entender o conteúdo. Da mesma forma, se você escreve um livro por ano, não pode mesmo produzir uma obra relevante. Isso é loucura.”
c) “O editor que não quer publicar pelo bem da ecologia.”
Comentando brevemente os três pontos (há outros na reportagem), a discussão sobre a linguagem acadêmica pareceu-me fundamental. Na entrevista, fica claro que ele não está pensando em uma escrita simplista, mas em achar formas que aliem rigor intelectual e legibilidade para um público mais amplo. Já a questão da quantidade aborda um aspecto central de nossa relação com a cultura: escrever muito, mas, “por tabela”, produzir muita insignificância. Concordo novamente: não há como produzir textos realmente relevantes em intervalos de tempo tão curtos.
Por fim, conseqüência do item anterior, produzir demais, além de muita escrita que ninguém vai ler, destrói a natureza. Pode parecer um pensamento ingênuo, mas, se fizermos a conta da produção mundial de livros, dissertações e teses e de quanto papel é necessário para mantê-la, creio que chegaremos a um número assustador.
Débora de Angelo

13.2.08

O tempo redescoberto

Não é sempre que paramos para pensar sobre nosso aprendizado, de um ponto de vista escolar, durante nossa história. Em outras palavras: o que a escola ensinou, efetivamente, que não foi aprendido em outro lugar, com outros tipos de relações?
De fato, não faz muito sentido efetivar esse questionamento a todo instante. Mas, por vezes, pode ser oportuno acrescentarmos mais esse olhar aos assuntos pedagógicos – não único ou excludente, fique claro. Afinal, perspectivas pessoais também pertencem à história e as vivências do professor parecem especialmente marcadas pelo fato de, naturalmente, serem construídas a partir das tantas situações que passou como aluno, professor, a que viu em outros, alunos e colegas, entre outras possibilidades.
Porque a memória pode ser entendida como processo de resignificação que parte do presente e relê o passado, destacando o que, a partir da atualidade, parece ter sido fundamental. Nesse processo, muitos dados podem misturar-se, senão de um ponto de vista factual, certamente pelo significado que atribuímos a eles; disso oriunda a soma de experiências do que somos agora.
Feito esse preâmbulo, voltemos à questão inicial. De minha parte, pus-me recentemente – devido a várias discussões pedagógicas, tanto interiores como exteriores – a refletir sobre o papel da escola em minha vida, sob o ponto de vista do que entendo ter aprendido em sala de aula. Claro, não é apenas ali que o aprendizado ocorre. Mas, nesse momento, gostaria de centrar atenção nesse foco: um tópico que apareceu de forma destacada foi o desenvolvimento de habilidades de leitura e escrita.Todas as instâncias de ensino passadas parecem ter contribuído, de alguma maneira, para que isso ocorresse. A alfabetização, as redações e leituras escolares, as pesquisas e produções de textos na graduação e na pós. Pelo menos em processo de rememoração, a somatória das tantas atividades propostas feitas pelos professores foi, lentamente, contribuindo, de maneira relevante, nesse desenvolvimento de habilidades leitoras e de escrita.
O que me chamou a atenção nessa “volta ao passado” foi visualizar essa soma como um processo: não houve um momento isolado, o contato com esse ou aquele professor, ou um certo período escolar específico, que tenha se sobressaído. Tudo o que foi vivido, cada uma das propostas feitas e efetivamente realizadas, apresentou-se como uma micro partícula desse aprendizado. Não que com isso estejamos desconsiderando a importância maior ou menor de um grupo de professores e propostas que fizeram uma diferença especial. Mas o fato é que, voltando ao passado, o que surgiu foi o volume, a soma de tudo. Como se o que cada um contribuiu em particular não fosse exatamente mensurável, nem pudesse ser desprezado. E então pensei: muitas vezes, em sala de aula ou durante o processo de contato que estabelecemos com os diversos alunos, talvez nos perguntemos no que, de fato, contribuímos para a formação de cada estudante.
Não creio que seja possível – a nós, a eles ou a qualquer um que se puser tal questionamento – ter certezas nesse sentido. Tampouco toda essa reflexão deve ter como falso subentendido que, se vamos fazer parte de um processo de formação, a maneira como o fazemos não tem importância. Nesse sentido, o conjunto “nosso próprio senso crítico”, os “sinais que notamos em sala, nas atividades, entre outros”, “o contato com nosso amplo contexto escolar” (colegas, coordenação, direção, também entre outros), bem como “os processos de avaliação pelos quais passamos” podem ser vistos como importantes indicadores da qualidade e comprometimento de nossa atividade docente. No entanto, dizer que o processo de formação de um estudante possa, realmente, ser mensurado e controlado por meio de objetos e resultados de avaliação (do professor, da escola, das instâncias governamentais, de estudos nacionais e internacionais), em um momento pontual, talvez seja não dar ao tempo, aos processos individuais e à somatória de experiências seu devido espaço de direito e existência.

Débora de Angelo

Referências: PROUST, Marcel. O tempo redescoberto. Rio de Janeiro: Globo, 1995.BENJAMIN, Walter. “Sobre alguns temas em Baudelaire”. In: Obras escolhidas III. São Paulo: Brasiliense, 2004.

12.2.08

Na mídia

Pesquisas na internet são ótimas. Quase sempre encontramos o que queremos e, normalmente, achamos o que não queremos. Num desses achados não programados, li uma matéria intitulada “A nova arte de aprender”, publicada na revista Superinteressante de setembro/2007 (Edição 243). O artigo apresenta algumas descobertas recentes da neurociência, a respeito do sistema cognitivo humano, que poderiam ser aplicadas na sala de aula, facilitando a aprendizagem. Nada de neurolinguística, felizmente (os adeptos que me perdoem, mas eu confesso um certo preconceito...), mas aspectos físicos que teriam grande influência na qualidade do aprendizado.
De “descobertas” que não são novidade alguma (“o aluno precisa estar bem alimentado”; “a memória depende do sono”) a informações que realmente fazem jus ao nome da revista (“os hormônios da adolescência pedem pelo menos 9 horas de sono por dia e fazem a atenção dos jovens só atingir o pico às 11 horas”), a matéria desmistifica alguns chavões a respeito do cérebro e da educação, como aquela velha história que afirma que usamos apenas 10% de nossa capacidade cerebral, ou que existem alunos visuais, auditivos ou sinestésicos. A base do artigo é o livro de Koji Myiamoto, Understanding the brain: the birth of a learning science (“Entendendo o cérebro: o nascimento de uma ciência do aprendizado”, sem edição brasileira), e traz depoimentos de pesquisadores e professores da UFMG e da USP.
Tais descobertas da neurociência propõe que as aulas do período da manhã deveriam começar mais tarde, especialmente no ensino médio, e que deveriam ser mais curtas, com pausas e exercícios diferentes, visando auxiliar a memorização. Outra proposta é espalhar as avaliações ao longo do tempo, ao invés de concentrar as provas em uma semana, pois esse sistema dificultaria a aprendizagem de longo prazo.
Será que é possível implantar essas propostas? Seria válido tentar? Certamente não dá para começar as aulas do período da manhã mais tarde, nem reduzir os atuais 50 minutos de cada aula, pelo menos por enquanto. Mas dividir a apresentação de conteúdo em pequenos blocos de 10 minutos, separados por pausas com exercícios fora do tema apresentado, talvez seja interessante. Quem se habilita?
Além de apresentar essas novas teorias, o artigo questiona o sistema de alfabetização construtivista de Jean Piaget, propondo a volta do método fonético. Isso me lembra uma história...
Final de domingo diferente, visita dos tios, muita brincadeira, delícia de dia.
- Letícia, você já fez a lição?
- Não, mamãe.
- Como, não? Já tá de noite e amanhã de manhã vamos ao médico! Pega seu caderno agora! Vamos, vamos!
Desânimo, lentidão. Caderno aberto sobre a mesa.
- Deixa eu ver. Ah, tá fácil, é só copiar a frase três vezes. Vai, Letícia, sem moleza, hein? Vai, “Fábio afia a faca”. Fácil, né? Então vai. “Fábio afia a faca”.
Sozinha na sala, lápis na mão direita, a pequena cabeça apoiada na mão esquerda, um ar desolado e a pergunta que não quer calar:
- Mas quem é Fábio?
Angela Annunciato

11.2.08

Enquanto isso, na sala de aula...

O contexto era o seguinte: em uma aula voltada aos estudos da comunicação, de uma disciplina oferecida em todos os cursos da universidade, foi solicitado aos estudantes que redigissem um convite personalizado, tendo como referência estilos apresentados por personagens de uma série televisiva.

E o pedido foi claro: “misturem aspectos verbais e visuais”. No entanto, como professora de Língua Portuguesa, devo confessar que minha expectativa centrava-se no universo das palavras. Imaginei receber uma folha com o texto, alguma cor e estilo de letra. Só.

Sim, recebi alguns exatamente desse jeito. Mas também vários outros, muito diferentes: designs de envelopes variados e bonitos, alguns mesmo com três dimensões; trabalhos com cores, imagens e, claro, com o texto escrito.

Reconheço que as produções ficaram muito além do que esperava. E tenho certeza de que esse fenômeno não se deu por um especial envolvimento dos alunos com a disciplina ou com minha figura. O que aconteceu ali foi, a meu ver, um momento de “epifania pedagógica”.

Percebi que não seria capaz de produzir metade daqueles convites, nem sequer pensaria em fazê-los daquela forma. Simplesmente porque não desenvolvi aquelas habilidades no decorrer da vida. Os alunos as possuem e talvez alguns tenham menos facilidade em organizar frases, orações e períodos. Mas será que um convite é menos embalagem do que o texto escrito? Minha epifania foi poder me perguntar: por que essa primazia do verbal? Ele é mais importante mesmo ou não sei ver de outro modo? Não seria aquela uma forma de “interpretação de um texto” tão legítima quanto qualquer outra feita com signos verbais?

Guardadas as devidas proporções, creio que a situação vivida diz respeito aos professores de LP (ou mesmo de outras áreas), de forma geral. Defendemos a supremacia dos vocábulos, devido à nossa formação e prática profissional, e talvez estejamos nos esquecendo de que há muitas outras habilidades a serem desenvolvidas em outras linguagens.

Mais do que isso: se observarmos de forma menos mecânica, é provável que todas possam ser encaradas como formas de leitura e produção de textos; basta apenas que as encaremos dessa forma. Não que o que escrevemos e o modo como o fazemos não importe. Porém, em uma sociedade imagética como a nossa, de repente me pareceu um tanto estranho esse apego quase atávico ao mundo das palavras.

Débora de Angelo

Ler para...

Daniel Penac, em seu livro "Como um romance", diz que o verbo ler não suporta o imperativo. Aversão que partilha com alguns outros: o verbo amar...o verbo sonhar...Bem, é sempre possível tentar, é claro. Vamos lá: “Me ame”! “Sonhe!” “Leia”!” Leia logo, que diabo, eu estou mandando você ler!”Assim como não fica bem mandar que alguém nos ame, a menos que o uso do imperativo esteja inserido num jogo de sedução (e disso ninguém reclama), também parece estranho que alguém nos obrigue, imperativamente, a ler. Afinal de contas, assim como amar ou sonhar, o ato de ler deveria estar sempre associado a escolhas do leitor que, diante de necessidades pessoais, decide ler isso ou aquilo, agora ou depois.
Sim, porque, no fundo, mesmo que a leitura aparentemente esteja relacionada a coisas externas ao leitor (um trabalho escolar solicitado pelo professor; um texto teórico para a discussão em um grupo de estudo etc.), é sempre fruto de uma escolha: estar inserido em diferentes contextos e querer exercer um papel. Leitores experientes sabem disso e não se sentem realmente “obrigados” diante de tal imperativo de que nos fala Penac. Digamos que o ato de ler para esses leitores seja sempre um jogo de sedução que, mesmo disfarçado pelo compromisso externo, lhes apresenta uma promessa de prazer sublimado.
O que de prazer cada leitor, em particular, alcança, tem a ver evidentemente com sua história de vida e seu repertório. E não pode ser dimensionado pelo outro por ser indizível. De fora, ficamos com tênues palavras que, com mais ou menos intensidade, revelam apenas um pouco da experiência de ler. De dentro, ficamos com nossas impressões, sensações, revelações, idéias, despertares... e tudo o mais que, por vezes e com um pouco de sorte, nos leva ao encontro das epifanias que nos sustentam o corpo e a alma.
Sem dúvida, não é desse tipo de leitura que tratamos em nossas salas de aulas, infelizmente, porque lá, na escola, ler é imperativo que se define como obrigação: ler para conhecer autores; ler para estudar gramática; ler para saber literatura; ler para estudar para a prova; ler para...não gostar de ler. Nada parece menos surpreendente do que o depoimento de crianças e adolescentes sobre o quanto o ato de ler se mostra vazio de sentido. Uma vez que a leitura relaciona-se com todos os conteúdos a serem ensinados na escola, sendo tratada como meio para se atingir objetivos externos a ela, perde-se enquanto fim em si mesma. E deixa perdidas todas as possibilidades de que, nesse contexto, leitores se constituam como sujeitos ao se servirem desse instrumento de cultura e prazer. Gustave Lanson (1894), um homem com idéias bem avançadas para sua época, dizia que a leitura (de literatura) deveria servir ao aperfeiçoamento intelectual, produzindo prazer intelectual. Ao invés de se estudar literatura para saber literatura, era preciso ler literatura e amá-la.
Desse modo, voltamos ao começo e relacionamos novamente ler com amar. O despertar do leitor não se dá gratuitamente, diante da imposição do verbo. É preciso a promessa implícita no jogo que oculta e revela, diz e cala, encontra e despede, descobre e permite que o leitor seja um sujeito com direitos: “de não ler; de pular páginas; de reler; de ler qualquer coisa; de ler em qualquer lugar; de ler uma frase aqui outra ali; de ler em voz alta ou de simplesmente calar”. (Penac, 1993) Um sujeito que, no final das contas, pode ser qualquer um de nós, resgatado nas palavras lidas que nos contam de nossas experiências.
Daí, contamos histórias e seduzimos o outro, que sonha, ama e lê, porque se quer seduzido...
Eliane Aguiar

Um convite à leitura

“Desenhar andorinhas no casco das tartarugas”, eis o convite de nosso blog. Cada uma de nós, as três cronópios, vai compor esse desenho de um jeito próprio, singular, tratando de muitos temas, idéias, dúvidas, amores... pela língua e pela Educação. Por isso, não estranhe se encontrar em nossos textos vozes diferentes. Nem estranhe se mudarmos o tom. Como num desenho, nossas andorinhas mudam de cor conforme o céu a que têm direito, a mão que as traça, a voz que as conta.
Abaixo de todo texto que publicarmos, deixaremos a identificação da autora para que você saiba a quem recorrer depois, caso queira deixar um recado, fazer alguma pergunta, acrescentar alguma outra reflexão. E também para que você localize a proposta de cada nova publicação, identificando possíveis seqüências. Por exemplo: hoje, estamos publicando o texto “Ler para...”, que dará início a uma discussão sobre o ensino de leitura na escola. Outros textos, portanto, serão publicados depois, nos ajudando a compor um modo de pensar esse tema. Esperamos que você volte para lê-los!

7.2.08

Mas, afinal, o que é um cronópio?

Muitas são as discussões a respeito desse termo, criado por Julio Cortázar em 1952, quando aparece no título de um artigo sobre Louis Armstrong. Dez anos depois, o livro Histórias de Cronópios e de Famas apresenta os cronópios como “objetos verdes e úmidos”, protagonizando 20 histórias, ao lado dos famas e das esperanças. Personagens de ficção, metáfora para poetas e loucos, criaturas sensíveis e idealistas que “perdem a conta dos dias”, que seja. Nada melhor do que definir um cronópio através de uma de suas histórias.

“Agora acontece que as tartarugas são grandes admiradoras da velocidade, como é natural. As esperanças sabem disso e não ligam. Os famas sabem e caçoam. Os cronópios sabem e, cada vez que encontram uma tartaruga, puxam a caixa de giz colorido e na lousa redonda da tartaruga desenham uma andorinha.”

Acreditamos que trabalhar com educação seja mais ou menos isso: desenhar andorinhas no casco das tartarugas. Por isso, somos cronópios.