Cronópios Editora

Um espaço de discussão e aprendizado para professores de Língua Portuguesa.

25.2.08

Auto-avaliação- parte 3

[Parte final do texto Auto-avaliação]

De lá para cá, o questionamento: por que o espaço para pensar em voz alta se faz necessário?...
Feita a retrospectiva, é preciso dizer que essas situações foram fundantes em mim para que eu aprendesse a “agir na urgência, decidindo na incerteza”, como diz Perrenoud sobre a questão do ensinar. Na urgência, quase que no susto de não saber o que fazer diante do que sempre aparecia de novo, de “ambíguo e confuso”.
Desse modo, responder a questão “como formadores, em que medida compreender que é necessário descontruir o problema manifestado para construir o problema existente nos ajuda a entender o mecanismo de aprendizagem das professoras com as quais trabalhamos?”, exige realmente um refazer de percurso para identificar no próprio sujeito formador a ‘sua crise de confiança’, num exercício contínuo e infinito de reflexão sobre aquilo que se revela como um problema que pode estar escamoteando o que de fato é imperativo deixar-se revelar. Nesse sentido, a falta de tempo do professor para estudar, refletir, avaliar sua prática e a nossa própria falta de tempo, como formadores, para trabalhar os textos, as estratégias, em prol de objetivos bem traçados, passam a ser um problema para responder à angústia que a prática formativa, necessariamente, gera.
Em um caso e em outro, os sintomas se revelam na reclamação e nas justificativas que tamponam o que é da ordem do medo, da insegurança, da rejeição ao novo e desconhecido, dificultando um enfrentamento reflexivo tanto do professor quanto do formador. A angústia de um, nesse contexto, se reflete na angústia do outro naquilo que se faz claramente projetivo e transferencial. Tanto que nos pegamos (eu me pego fazendo isso muitos vezes) justificando do mesmo modo a nossa ação (ou não ação) na ação (ou não ação) do outro. Daí a necessidade de parar e olhar para o próprio 'umbigo' a fim de resgatar nesse olhar um novo modo de enxergar o que está para além dele.
O “espaço para pensar em voz alta”, nesse contexto, tem sido permitido nos nossos próprios encontros de preparação das supervisões. Seja em forma de uma auto-avaliação como esta ou nas várias discussões que vamos fomentando a cada novo encontro, vamos elaborando um pouco nossas angústias, anseios, dúvidas, reconhecendo nas trocas um lugar de construção de conhecimento. Termos lido o texto da Alarcão, abrindo para a reflexão do que foi até agora a formação deste semestre, ajudou-me a elaborar o desconforto e perceber que é preciso reformular o modo como eu fui me engessando a mim mesma (e, certamente, às professoras) na medida em que via a urgência de conduzir o projeto (tema da formação) como prioridade absoluta nesse processo de formação.
Essa parada estratégica permitiu-me reformular o processo de formação até este momento, mas foi um pouco mais além, pois me também permitiu deixar evidenciada a importância da escuta na relação entre formador e professores. Ao frisar, na minha escuta de meu próprio processo enquanto formadora, o respeito pela angústia, anseios e dúvidas como manifestação legítima de qualquer processo de ensino e aprendizagem, foi possível desvelar justamente aquilo que também deve estar no espaço escolar, na relação do professor com as crianças. Como numa cadeia alimentar, ao serem tocados e escutados ali, os professores certamente tocarão acolá, nas crianças, no projeto, no desejo de fazer...
Justamente por isso, acho que não posso terminar este texto sem dizer que a “necessária passagem do saber para o saber-fazer” passa também, se não principalmente, pelo experenciar-se, que não é só um simples experimentar aquilo que ele vai recebendo a cada novo encontro de supervisão. Mas um deixar-se tocar por aquilo que ele recebe quando, numa construção quase que artesanal, ele mesmo vai se possibilitando fazer. Isso significa dizer que, na medida em que nossas propostas apontam para a leitura e escrita como grandes objetivos do processo de ensino e aprendizagem, é essencial que o formador e o professor sejam eles mesmos alguém que experencia a leitura e a escrita como caminhos de transformação, antes de mais nada, pessoal. Daí, então, tocados pela experiência da palavra, sintam-se de fato plenos do toque que ajuda na transformação do outro.
Eliane Aguiar