Cronópios Editora

Um espaço de discussão e aprendizado para professores de Língua Portuguesa.

13.2.08

O tempo redescoberto

Não é sempre que paramos para pensar sobre nosso aprendizado, de um ponto de vista escolar, durante nossa história. Em outras palavras: o que a escola ensinou, efetivamente, que não foi aprendido em outro lugar, com outros tipos de relações?
De fato, não faz muito sentido efetivar esse questionamento a todo instante. Mas, por vezes, pode ser oportuno acrescentarmos mais esse olhar aos assuntos pedagógicos – não único ou excludente, fique claro. Afinal, perspectivas pessoais também pertencem à história e as vivências do professor parecem especialmente marcadas pelo fato de, naturalmente, serem construídas a partir das tantas situações que passou como aluno, professor, a que viu em outros, alunos e colegas, entre outras possibilidades.
Porque a memória pode ser entendida como processo de resignificação que parte do presente e relê o passado, destacando o que, a partir da atualidade, parece ter sido fundamental. Nesse processo, muitos dados podem misturar-se, senão de um ponto de vista factual, certamente pelo significado que atribuímos a eles; disso oriunda a soma de experiências do que somos agora.
Feito esse preâmbulo, voltemos à questão inicial. De minha parte, pus-me recentemente – devido a várias discussões pedagógicas, tanto interiores como exteriores – a refletir sobre o papel da escola em minha vida, sob o ponto de vista do que entendo ter aprendido em sala de aula. Claro, não é apenas ali que o aprendizado ocorre. Mas, nesse momento, gostaria de centrar atenção nesse foco: um tópico que apareceu de forma destacada foi o desenvolvimento de habilidades de leitura e escrita.Todas as instâncias de ensino passadas parecem ter contribuído, de alguma maneira, para que isso ocorresse. A alfabetização, as redações e leituras escolares, as pesquisas e produções de textos na graduação e na pós. Pelo menos em processo de rememoração, a somatória das tantas atividades propostas feitas pelos professores foi, lentamente, contribuindo, de maneira relevante, nesse desenvolvimento de habilidades leitoras e de escrita.
O que me chamou a atenção nessa “volta ao passado” foi visualizar essa soma como um processo: não houve um momento isolado, o contato com esse ou aquele professor, ou um certo período escolar específico, que tenha se sobressaído. Tudo o que foi vivido, cada uma das propostas feitas e efetivamente realizadas, apresentou-se como uma micro partícula desse aprendizado. Não que com isso estejamos desconsiderando a importância maior ou menor de um grupo de professores e propostas que fizeram uma diferença especial. Mas o fato é que, voltando ao passado, o que surgiu foi o volume, a soma de tudo. Como se o que cada um contribuiu em particular não fosse exatamente mensurável, nem pudesse ser desprezado. E então pensei: muitas vezes, em sala de aula ou durante o processo de contato que estabelecemos com os diversos alunos, talvez nos perguntemos no que, de fato, contribuímos para a formação de cada estudante.
Não creio que seja possível – a nós, a eles ou a qualquer um que se puser tal questionamento – ter certezas nesse sentido. Tampouco toda essa reflexão deve ter como falso subentendido que, se vamos fazer parte de um processo de formação, a maneira como o fazemos não tem importância. Nesse sentido, o conjunto “nosso próprio senso crítico”, os “sinais que notamos em sala, nas atividades, entre outros”, “o contato com nosso amplo contexto escolar” (colegas, coordenação, direção, também entre outros), bem como “os processos de avaliação pelos quais passamos” podem ser vistos como importantes indicadores da qualidade e comprometimento de nossa atividade docente. No entanto, dizer que o processo de formação de um estudante possa, realmente, ser mensurado e controlado por meio de objetos e resultados de avaliação (do professor, da escola, das instâncias governamentais, de estudos nacionais e internacionais), em um momento pontual, talvez seja não dar ao tempo, aos processos individuais e à somatória de experiências seu devido espaço de direito e existência.

Débora de Angelo

Referências: PROUST, Marcel. O tempo redescoberto. Rio de Janeiro: Globo, 1995.BENJAMIN, Walter. “Sobre alguns temas em Baudelaire”. In: Obras escolhidas III. São Paulo: Brasiliense, 2004.