Cronópios Editora

Um espaço de discussão e aprendizado para professores de Língua Portuguesa.

19.2.08

Auto-avaliação - parte 1

Aqui está a primeira parte do texto Auto-avaliação, anunciado na postagem anterior.
Não sei dizer exatamente quando iniciei meu trabalho como formadora de professores. Mas sei dizer que isso aconteceu meio sem eu perceber; meio que por acaso. Tinha lá por volta dos 20 e poucos anos, uma suposta boa formação e alguns amigos que iam me indicando para cursos, seminários, palestras, oficinas para professores de redes de ensino pública (municipal e estadual) e privada.
E eu, ousada e um tanto quanto inconseqüente, aceitava essas indicações, porque as atividades complementavam meu salário de professora. E também porque havia nelas algo que me desafiava. A ousadia, hoje sei, estava no fato de que minha própria experiência como professora era ainda bastante superficial e precária. Inconseqüência, porque achava que bastava preparar uma apostila, ler alguns textos e pronto. Estaria pronta para enfrentar os professores e as demandas que as situações de formação apresentavam. Eu não fazia idéia de que para ser um formador era necessário um nível de implicação e responsabilidade que estava além da preparação de um curso ou da leitura de meia dúzia de textos.
Entre esse começo e os dias de hoje, mais de uma década se passou e, evidentemente, minha relação com o trabalho de formação de professores foi se transformando e me transformando como profissional. Talvez porque várias dessas situações tenham me colocado diante do “aprender fazendo”, o que, de algum modo, mesmo que ainda bastante nebuloso, me obrigava a refletir sobre minhas ações, questionando-me e às propostas que fazia aos professores.
O que mudou foi algo da ordem da escolha. Se antes, aceitava o trabalho porque pagava mais do que ficar na sala de aula, com 50 alunos e apostilas vazias de vida, e também porque massageava o meu ego (era muito bom dizer que eu estava dando um curso para professores e ouvir deles e das outras pessoas: “tão novinha e tão inteligente!”), com o tempo, fui percebendo que gostava de estar com os professores e conversar com eles sobre as coisas do ensino de língua. E, conseqüentemente, da leitura e da escrita, minhas duas grandes paixões. Mais ainda: eu gostava de escutá-los em suas angústias, em suas dúvidas, em suas certezas, em suas dores, porque essas coisas me humanizavam e me faziam reconhecer no outro, professor, um pouco de mim mesma em minhas próprias angústias, dúvidas, certezas e dores como professora e como formadora. Aos poucos, fui escolhendo estar com os professores e com estudantes que seriam professores, porque
  • gostava de estar com eles (condição essencial para ser uma formadora);
  • era curiosa e queria saber como eram os bastidores das salas de aulas onde esses professores atuavam;
  • tinha disponibilidade para estudar e refletir sobre a função de formador de professores e sobre o papel do professor que trabalha com o ensino de língua;
  • me incomodava a minha formação “excessivamente acadêmica”, burocrática e tão desvinculada da vida que respira nos espaços escolares (sentia-me insatisfeita com a minha própria prática como professora, porque só conseguia reproduzir os modelos de professor que tive: conteudistas, teóricos etc.);
  • encontrava no trabalho com os professores mais prazer e vontade de aprender. Além disso, sentia-me mais criativa quando trabalhava com eles do que como professora, em salas de aulas convencionais;
  • as situações como formadora eram, para mim, muito mais ricas do ponto de vista das problematizações (eu me questionava muito mais quando estava com professores do que quando estava com meus alunos, em sala de aula).

Enfim, acredito que esse conjunto de coisas, organizadas paulatinamente, na medida em que eu me envolvia em uma nova situação de formação, foi me ajudando a pensar o que era (ou deveria ser) um formador de professores e o que eu não era como professora e ainda não era como formadora, mesmo exercendo essa função.

[Continua na próxima postagem, sob o título Auto-avaliação - parte 2]

Eliane Aguiar